quinta-feira, 15 de setembro de 2016

POSSIBILIDADE, EM RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO, DE SER MELHORADA A SITUAÇÃO DO ACUSADO


Doutrinariamente, a maioria dos autores é favorável à possibilidade da reformatio in mellius. Defendem esta corrente, os mestres Ada Pellegrini (Recursos no processo penal, item 21, São Paulo: Revista dos Tribunais, p.46); Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (Dos recursos no processo penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p.37); Damásio E. de Jesus (Código de Processo Penal anotado, comentários ao art.617, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 450); Heráclito Mossin (Recursos em Matéria Criminal. 2. Ed. São Paulo: Atlas. P. 122); Frederico Marques (Elementos. Bookseller, v. 4, p. 262); Magalhães Noronha (Curso de direito processual penal. 24. Ed. São Paulo: Saraiva, v.2, p. 329).
 
As razões são as seguintes:
 
A uma, porque o Ministério Público é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Ou seja, os direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição têm, no Ministério Público, seu guardião mor. Portanto, se houver ofensa à liberdade de locomoção (art. 5º, XV), deve o Ministério Público atuar pleiteando liberdade, utilizando-se de todos os meios e recursos inerentes a tal garantia postos à sua disposição (cf. art. 129, II, da CRFB c/c art. 32, I da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei nº 8.625/1993. Assim, sendo o fiscal da lei, não se permite que o resultado de seu recurso impeça, mesmo sem seu pedido, de restabelecer a ordem jurídica agredida.
A duas, porque, pelo princípio da legalidade, o que não é proibido é permitido, ou seja, o legislador proibiu, no art. 617, a reforma para pior quando somente o réu houver recorrido e não quando houvesse recurso exclusivo do Ministério Público. Portanto, não havendo proibição, não há que se fazer interpretação extensiva nem analógica nessa hipótese. A proibição é apenas de se reformar para pior e não para melhor.
A três, porque não se pode descuidar dos princípios da verdade processual, pois em nome desses princípios é que o legislador cria institutos típicos e exclusivos da defesa, como, por exemplo, era o protesto por novo júri, os embargos infringentes, a revisão criminal e o Habeas Corpus, em uma clara alusão de que a coisa julgada material  no processo penal existe para a acusação, porém não para a defesa, pois esta pode, através do habeas corpus e da revisão, destituir a coisa julgada , em qualquer tempo. Ora, se o Tribunal pode conceder habeas corpus de ofício (cf.§2º do art. 654), por que não poderia beneficiar o réu em recurso exclusivo do Ministério Público? Seria um contra sensu não poder fazê-lo.
A quatro, porque a regra do art. 617 foi criada para beneficiar o réu e não para prejudicá-lo, pois, se atendermos, agora, os princípios da economia e da celeridade processual, veremos que resultado idêntico alcançaríamos através do habeas corpus e da revisão criminal.
Por fim, ressalte-se que a regra insculpida no §2º do art. 694 é exatamente para que o Tribunal, verificando uma ilegalidade ocorrida em um processo em grau recursal, possa o Estado-juiz saná-la e entregar ao indivíduo sua liberdade de locomoção
 
POSIÇÃO DO PROFESSOR JULIO FABBRINI MIRABETE, que assim entende:
 
De acordo com o princípio (ne eat judex ultra petita partium), não pode o tribunal ad quem, em recurso exclusivo da acusação, reformar a decisão em favor do réu, seja atenuando-lhe a pena, seja beneficiando-o de outra forma. É orientação do STF que não é possível a reformatio in mellius, pois há coisa julgada para o réu, o que afasta essa possibilidade diante do princípio (tantum devolutum quantum apellatum).
 
No plano jurisprudencial, a divergência é a mesma, pois o Supremo Tribunal Federal não admite a possibilidade de reforma para melhorar a situação do réu quando somente o Ministério Público houver apelado. O Supremo alega violação ao princípio do tantum devolutum quantum apellatum, ou seja, devolve-se ao juízo ad quem o quanto se apela, e, se o Ministério Público não devolveu ao tribunal o pedido de melhora para o réu esta não poderia se dar.
 
Apelação Criminal. Recurso da acusação (parcial). Efeito devolutivo. Princípio Tantum devolutum quantum apellatum. CPP, ART. 599. Reformatio in mellius. É insubsistente o julgado que procede a reformatio in mellius, a partir de exclusivo e parcial recurso da acusação que visa a exasperação de determinada pena, de modo desbordante do princípio tantum devolutum quantum apellatum. Unânime.
(RECR 95.801. Recurso Extraordinário Criminal. Relator Ministro Rafael Mayer. Publicação DJ: 16/08/1982. Julgamento 8/6/1982 – Primeira Turma.)
 
Damásio E. de Jesus contesta esta posição do Supremo, alegando que o princípio do tantum devolutum quantum apellatum não se aplica no Processo Penal. Eis a nota do autor, em seu Código de Processo Penal Anotado, comentando o artigo 593:
 
Reformatio in mellius.
Se a acusação recorre da sentença condenatória visando à imposição de pena mais grave, o Tribunal não está impedido de reduzi-la ou de absolver o réu da imputação (TJSP, RT 514/357, ainda que este não tenha apelado (TACrimSP, RT 526/394. No mesmo sentido: RT490/327 e 528/326. Constituiu orientação francamente dominante no TACrimSP. O STF, entretanto, em recentes decisões reiteradas, entende que em recurso da acusação visando à agravação da pena não pode o Tribunal proceder à reformatio in mellius, de modo desbordante do princípio do tantum devolutum quantum apellatum (RECrim 95.801, DJU 6/8/1982, P. 7351, RT 567/402, 569/425, 428 e 587/424; RECrim 96.705, DJU 8/1/1982, P. 10190, RECrim 97.107, DJU 15/10/1982, P. 10445; RTJ 103/398 e RT 599/444). Para o Pretório Excelso, “o Tribunal não pode julgar sobre o que não foi pedido nas razões de apelação” (HC 60.790, 1ª Turma, em 17/05/1983, DJU 1º/7/1983, p. 9.994). Entendemos que o princípio tantum devolutum quantum apellatum, de inspiração civil, não se aplica à matéria processual penal.
 
Posição do Superior Tribunal de Justiça:
 
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO REFORMATIO IN MELLIUS. POSSIBILIDADE.
1. Esta Corte firmou compreensão no sentido de que é admitida a reformatio in mellius, em sede de recurso exclusivo da acusação, sendo vedada somente a reformatio in pejus.
2. A concessão da ordem, de ofício, para absolver o Réu, não se deu por meio da análise do recurso constitucional, mas sim nos autos de recurso de apelação. Divergência jurisprudencial não comprovada.
3. Ademais, é permitido à instância revisora o exame integral da matéria discutida na demanda, face ao amplo efeito devolutivo conferido ao recurso de apelação em matéria penal.
4. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 628971 PR 2004/0019615-8 – Relator: Ministro OG FERNANDES – órgão julgador: T6 – SEXTA TURMA – Data de julgamento: 16/3/2010 – Data da publicação/Fontes: DJe 12/04/2010).
 
RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO TENTADO. REFORMATIO IN MELIUS. RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 155, § 4, IV, DO CP. REEXAME DE PROVA. ENUNCIADO SUMULAR 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. EXISTÊNCIA DE DUAS CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO EM DESFAVOR DO RÉU. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 61, I, DO CP CONFIGURADA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
1. A mais recente jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o art. 617 do CPP proíbe, apenas, a reformatio in pejus, não havendo nenhuma vedação à reformatio in mellius em recurso exclusivo da acusação, uma vez que este devolve toda a matéria ao Tribunal.
2. Tendo o acórdão afirmado não haver elementos seguros da participação de suposto co-réu no cometimento do delito, a pretensão recursal encontra óbice no enunciado sumular 7/STJ.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "Condenações diversas, transitadas em julgado, singularmente apreciadas, podem ser levadas em consideração, pelo julgador, para efeito de maus antecedentes e de reincidência, desde que, como in casu ocorre, sejam distintos os elementos geradores. O que não se admite é a valoração, em momentos diversos, durante a fixação da pena, de um mesmo fato" (REsp 736.345/RS, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 19/12/2005).
4. A Corte a quo, efetivamente, negou vigência ao art. 61, I, do Código Penal, que prevê a reincidência como circunstância legal que sempre deverá agravar a pena, sendo esta, portanto, norma de natureza cogente, ou seja, de aplicação obrigatória.
5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para determinar que o Tribunal de origem redimensione a pena imposta ao réu ANDRÉ DE OLIVEIRA MELO DOS SANTOS.
ACORDÃO:
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.
(REsp 730337/ RS RECURSO ESPECIAL 2005/0034305-2 – Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima (1128) – órgão julgador: T5 – QUINTA TURMA – Data de julgamento: 3/4/2007 – Data da publicação/Fontes: DJ7/5/2007 P. 359).
 
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. OCORRÊNCIA DA REFORMATIO IN MELLIUS. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL.
1. O art. 617 do Código de Processo Penal veda, tão somente, a reformatio in pejus. Em sendo assim, infere-se do sistema processual penal que a reformatio in mellius deve ser admitida, pois em recurso exclusivo do Ministério Público toda a matéria resta devolvida, podendo, desta forma, ser analisada a existência de ilegalidades na condenação pelo Tribunal de Origem. Precedentes.
2. Recurso especial desprovido
(REsp 509399/SP, Rel. Min Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 25/05/2004, DJ de 02/08/2004).

           
Processual penal. Reformatio in mellius. Admissibilidade em doutrina.
O recurso de apelação do Ministério Público devolve ao tribunal o exame de mérito e da prova. Nessas circunstâncias, se o tribunal verifica que houve erro na condenação ou na dosimetria da pena, não está impedido de corrigi-lo, em favor do réu, ante o que dispõe o art. 617 do CPP, que somente veda a reformatio in pejus, não a reformatio in mellius.
Argumentos de lógica formal não devem ser utilizados, na justiça criminal, para homologar erros ou excessos. E não é razoável remeter-se, na hipótese, o interessado para um revisão criminal de desfecho provavelmente tardio, após cumprida a pena, com prejuízos para o indivíduo e para o Estado; aquele pela perda da liberdade, a este pela obrigação de reparar o dano (art. 630 do CPP).
Recurso Especial do Ministério Público conhecido pela divergência, mas improvido. Unânime.
(RESP 2804/SP. Recurso Especial. Relator Ministro Francisco de Assis Toledo, Publicação DJ: 6/8/1990, P7347, Julgamento: 18/06/1990 – Quinta Turma).
 
ARESTOS DA 8ª CÂMARA CRIMINAL:
 
APELAÇÃO. TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO GRAVE, TENTATIVA DE ESTUPRO. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL, EM QUE SE REQUER O RECONHECIMENTO DA CONSUMAÇÃO DO ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO CORPORAL GRAVE. PROVIMENTO. AUSÊNCIA DE RECURSO DA DEFESA. PROVA COLIGIDA NOS AUTOS QUE SE REVELA RESTRITA, DUVIDOSA E INSUFICIENTE A ENSEJAR UM DECRETO CONDENATÓRIO QUANTO AO CRIME DE ESTUPRO. APLICAÇÃO DA REFORMATIO IN MELLIUS. ABSOLVIÇÃO. Agente que, simulando portar arma, invadiu residência, e determinou as vítimas, pai e filha, que lhe entregassem dinheiro e cartões. Durante a empreitada criminosa falou que estupraria a vítima, causando reação no pai, iniciando-se uma luta corporal, que redundou em grave lesão na vítima. A vítima mulher conseguiu buscar socorro, interrompendo a empreitada criminosa. Consumação do roubo qualificado por lesão corporal grave - O delito de roubo qualificado pela lesão corporal grave é crime complexo, composto por dois elementos constitutivos, que isoladamente constituem figuras penais autônomas, um crime contra a pessoa e um crime contra o patrimônio. Nos crimes complexos a tentativa só ocorre quando os delitos que o compõem permanecem na forma tentada. No caso em exame, o crime de lesões corporais graves se consumou enquanto a subtração patrimonial restou na forma tentada. Assim, há de reputar-se plenamente caracterizado o momento consumativo da conduta praticada pelo apelado. Da absolvição do acusado. Não obstante a ausência de recurso defensivo, não há como ratificar a sentença prolatada pelo MM. Juiz a quo, na medida em que a prova produzida pelo Ministério Público revelou-se restrita, duvidosa e insuficiente a ensejar um decreto condenatório quanto ao aventado crime. As provas apontam que o recorrido sequer iniciou qualquer ato executório para a prática do crime de estupro, apenas falou que a estupraria. O recurso exclusivo do Ministério Público não tem o condão de impedir a absolvição, em razão da possibilidade de aplicação do princípio da reformatio in mellius em nosso sistema processual penal. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. ABSOLVIÇÃO DE OFÍCIO DO ACUSADO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, COM FULCRO NO ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUANTO AO CRIME DE ESTUPROACÓRDÃO - 0001255-03.2012.8.19.0055 - APELAÇÃO - CLAUDIO TAVARES DE OLIVEIRA JUNIOR -   Data de julgamento: 05/12/2012 - Data de publicação: 07/12/2012 - OITAVA CÂMARA CRIMINA (Grifo nosso).
 
TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO MINISTERIAL.AFASTAMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA DE QUE TRATA O § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI Nº. 11.343/06. - FIXAÇÃO DO REGIME FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. - Merece ser provido o pleito de afastamento da causa especial de diminuição de pena de que trata o § 4º, do artigo 33, da Lei nº. 11.343/06, pois a prova produzida logrou demonstrar, especialmente pelas circunstâncias da prisão em flagrante e pela quantidade e diversidade da droga apreendida, incluindo crack, que o apelado não é um traficante iniciante, mas sim, que faz do tráfico seu meio de vida.- Considerando que acompanho o entendimento jurisprudencial deste E. Tribunal de Justiça no sentido de ser perfeitamente admissível, em recuso exclusivo do Ministério Público, a reforma da decisão em benefício do réu, haja vista que a impugnação interposta pelo Ministério Público, a teor do que se subtende do artigo 617, do CPP, tem efeito devolutivo amplo, devolvendo ao Tribunal a análise de toda a matéria meritória e probatória, decoto, de ofício, o aumento de 01 (um) ano implementado na pena-base, pois as duas anotações sem trânsito em julgado constantes da FAC do apelado não podem caracterizar personalidade inadequada ao meio social e, consequentemente, não servem como justificativa para majoração da pena-base, como o fez o douto sentenciante. Inteligência da Súmula nº 444 do STJ. - Desse modo, afastada a incidência do § 4º, do artigo 33, da Lei nº. 11.343/06, resta a pena final concretizada em 05 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa - O pleito de fixação do regime prisional fechado merece acolhimento, diante da regra contida no § 1º, do artigo 2º, da Lei nº. 8.072/90, que impõe o regime inicial fechado para os crimes hediondos e equiparados. - Recurso provido, decotando-se, de ofício, o aumento implementado à pena-base ACÓRDÃO - 0003628-37.2012.8.19.0045 - APELAÇÃO – VALMIR DOS SANTOS RIBEIRO -  Data de julgamento: 24/10/2012 - Data de publicação: 26/10/2012 - OITAVA CÂMARA CRIMINAL (grifo nosso).
 
Um forte abraço a todos.

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