Doutrinariamente,
a maioria dos autores é favorável à possibilidade da reformatio in mellius. Defendem esta corrente, os
mestres Ada Pellegrini (Recursos no processo penal, item 21, São Paulo: Revista
dos Tribunais, p.46); Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (Dos recursos no
processo penal. São Paulo: Saraiva, 1988, p.37); Damásio E. de Jesus (Código de
Processo Penal anotado, comentários ao art.617, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, p.
450); Heráclito Mossin (Recursos em Matéria Criminal. 2. Ed. São Paulo: Atlas.
P. 122); Frederico Marques (Elementos. Bookseller, v. 4, p. 262); Magalhães
Noronha (Curso de direito processual penal. 24. Ed. São Paulo: Saraiva, v.2, p.
329).
As
razões são as seguintes:
A uma,
porque o Ministério Público é uma instituição essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Ou seja, os direitos e garantias fundamentais assegurados na
Constituição têm, no Ministério Público, seu guardião mor. Portanto, se houver
ofensa à liberdade de locomoção (art. 5º, XV), deve o Ministério Público atuar
pleiteando liberdade, utilizando-se de todos os meios e recursos inerentes a
tal garantia postos à sua disposição (cf. art. 129, II, da CRFB c/c art. 32, I
da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei nº 8.625/1993. Assim,
sendo o fiscal da lei, não se permite que o resultado de seu recurso impeça,
mesmo sem seu pedido, de restabelecer a ordem jurídica agredida.
A
duas, porque, pelo princípio da legalidade, o que não é proibido é permitido,
ou seja, o legislador proibiu, no art. 617, a reforma para pior quando somente
o réu houver recorrido e não quando houvesse recurso exclusivo do Ministério
Público. Portanto, não havendo proibição, não há que se fazer interpretação
extensiva nem analógica nessa hipótese. A proibição é apenas de se reformar
para pior e não para melhor.
A
três, porque não se pode descuidar dos princípios da verdade processual, pois
em nome desses princípios é que o legislador cria institutos típicos e
exclusivos da defesa, como, por exemplo, era o protesto por novo júri, os
embargos infringentes, a revisão criminal e o Habeas Corpus, em uma clara
alusão de que a coisa julgada material
no processo penal existe para a acusação, porém não para a defesa, pois
esta pode, através do habeas corpus e da revisão, destituir a coisa julgada ,
em qualquer tempo. Ora, se o Tribunal pode conceder habeas corpus de ofício
(cf.§2º do art. 654), por que não poderia beneficiar o réu em recurso exclusivo
do Ministério Público? Seria um contra
sensu não poder fazê-lo.
A
quatro, porque a regra do art. 617 foi criada para beneficiar o réu e não para
prejudicá-lo, pois, se atendermos, agora, os princípios da economia e da
celeridade processual, veremos que resultado idêntico alcançaríamos através do
habeas corpus e da revisão criminal.
Por
fim, ressalte-se que a regra insculpida no §2º do art. 694 é exatamente para
que o Tribunal, verificando uma ilegalidade ocorrida em um processo em grau recursal,
possa o Estado-juiz saná-la e entregar ao indivíduo sua liberdade de locomoção
POSIÇÃO DO PROFESSOR JULIO FABBRINI
MIRABETE, que assim entende:
De acordo com o princípio (ne eat judex
ultra petita partium), não pode o tribunal ad quem, em recurso exclusivo da
acusação, reformar a decisão em favor do réu, seja atenuando-lhe a pena, seja
beneficiando-o de outra forma. É orientação do STF que não é possível a
reformatio in mellius, pois há coisa julgada para o réu, o que afasta essa
possibilidade diante do princípio (tantum devolutum quantum apellatum).
No plano jurisprudencial, a
divergência é a mesma, pois o Supremo Tribunal
Federal não admite a possibilidade de reforma para melhorar a situação do
réu quando somente o Ministério Público houver apelado. O Supremo alega violação
ao princípio do tantum devolutum quantum
apellatum, ou seja, devolve-se ao juízo ad
quem o quanto se apela, e, se o Ministério Público não devolveu ao tribunal
o pedido de melhora para o réu esta não poderia se dar.
Apelação
Criminal. Recurso da acusação (parcial). Efeito devolutivo. Princípio Tantum
devolutum quantum apellatum. CPP, ART. 599. Reformatio in mellius. É
insubsistente o julgado que procede a reformatio in mellius, a partir de
exclusivo e parcial recurso da acusação que visa a exasperação de determinada
pena, de modo desbordante do princípio tantum devolutum quantum apellatum. Unânime.
(RECR
95.801. Recurso Extraordinário Criminal. Relator Ministro Rafael Mayer.
Publicação DJ: 16/08/1982. Julgamento 8/6/1982 – Primeira Turma.)
Damásio
E. de Jesus contesta esta posição do Supremo, alegando que o princípio do tantum devolutum quantum apellatum não
se aplica no Processo Penal. Eis a nota do autor, em seu Código de Processo
Penal Anotado, comentando o artigo 593:
Reformatio
in mellius.
Se
a acusação recorre da sentença condenatória visando à imposição de pena mais
grave, o Tribunal não está impedido de reduzi-la ou de absolver o réu da
imputação (TJSP, RT 514/357, ainda que este não tenha apelado (TACrimSP, RT
526/394. No mesmo sentido: RT490/327 e 528/326. Constituiu orientação
francamente dominante no TACrimSP. O STF, entretanto, em recentes decisões
reiteradas, entende que em recurso da acusação visando à agravação da pena não
pode o Tribunal proceder à reformatio in mellius, de modo desbordante do
princípio do tantum devolutum quantum apellatum (RECrim 95.801, DJU 6/8/1982,
P. 7351, RT 567/402, 569/425, 428 e 587/424; RECrim 96.705, DJU 8/1/1982, P.
10190, RECrim 97.107, DJU 15/10/1982, P. 10445; RTJ 103/398 e RT 599/444). Para
o Pretório Excelso, “o Tribunal não pode julgar sobre o que não foi pedido nas
razões de apelação” (HC 60.790, 1ª Turma, em 17/05/1983, DJU 1º/7/1983, p.
9.994). Entendemos que o princípio tantum devolutum quantum apellatum, de
inspiração civil, não se aplica à matéria processual penal.
Posição do Superior Tribunal
de Justiça:
RECURSO
ESPECIAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. CONCESSÃO DE HABEAS
CORPUS DE OFÍCIO REFORMATIO IN MELLIUS. POSSIBILIDADE.
1.
Esta Corte firmou compreensão no sentido de que é admitida a reformatio in mellius,
em sede de recurso exclusivo da acusação, sendo vedada somente a reformatio in
pejus.
2.
A concessão da ordem, de ofício, para absolver o Réu, não se deu por meio da
análise do recurso constitucional, mas sim nos autos de recurso de apelação.
Divergência jurisprudencial não comprovada.
3.
Ademais, é permitido à instância revisora o exame integral da matéria discutida
na demanda, face ao amplo efeito devolutivo conferido ao recurso de apelação em
matéria penal.
4.
Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp
628971 PR 2004/0019615-8 – Relator: Ministro OG FERNANDES – órgão julgador: T6
– SEXTA TURMA – Data de julgamento: 16/3/2010 – Data da publicação/Fontes: DJe
12/04/2010).
RECURSO
ESPECIAL. PENAL. FURTO TENTADO. REFORMATIO IN MELIUS. RECURSO EXCLUSIVO DA
ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 155, § 4, IV, DO CP. REEXAME DE
PROVA. ENUNCIADO SUMULAR 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. EXISTÊNCIA DE DUAS
CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO EM DESFAVOR DO RÉU. MAUS ANTECEDENTES E
REINCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 61, I, DO CP CONFIGURADA. RECURSO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
1.
A mais recente jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o art.
617 do CPP proíbe, apenas, a reformatio in pejus, não havendo nenhuma vedação à
reformatio in mellius em recurso exclusivo da acusação, uma vez que este
devolve toda a matéria ao Tribunal.
2.
Tendo o acórdão afirmado não haver elementos seguros da participação de suposto
co-réu no cometimento do delito, a pretensão recursal encontra óbice no
enunciado sumular 7/STJ.
3.
Nos termos da jurisprudência desta Corte, "Condenações diversas,
transitadas em julgado, singularmente apreciadas, podem ser levadas em
consideração, pelo julgador, para efeito de maus antecedentes e de
reincidência, desde que, como in casu ocorre, sejam distintos os elementos
geradores. O que não se admite é a valoração, em momentos diversos, durante a
fixação da pena, de um mesmo fato" (REsp 736.345/RS, Rel. Min. LAURITA
VAZ, Quinta Turma, DJ de 19/12/2005).
4.
A Corte a quo, efetivamente, negou vigência ao art. 61, I, do Código Penal, que
prevê a reincidência como circunstância legal que sempre deverá agravar a pena,
sendo esta, portanto, norma de natureza cogente, ou seja, de aplicação
obrigatória.
5.
Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para determinar que o
Tribunal de origem redimensione a pena imposta ao réu ANDRÉ DE OLIVEIRA MELO
DOS SANTOS.
ACORDÃO:
Vistos,
relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer e Laurita Vaz
votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro
Gilson Dipp.
(REsp
730337/ RS RECURSO ESPECIAL 2005/0034305-2 – Relator: Ministro Arnaldo Esteves
Lima (1128) – órgão julgador: T5 – QUINTA TURMA – Data de julgamento: 3/4/2007
– Data da publicação/Fontes: DJ7/5/2007 P. 359).
RECURSO
ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. OCORRÊNCIA DA
REFORMATIO IN MELLIUS. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL.
1.
O art. 617 do Código de Processo Penal veda, tão somente, a reformatio in
pejus. Em sendo assim, infere-se do sistema processual penal que a reformatio
in mellius deve ser admitida, pois em recurso exclusivo do Ministério Público
toda a matéria resta devolvida, podendo, desta forma, ser analisada a
existência de ilegalidades na condenação pelo Tribunal de Origem. Precedentes.
2.
Recurso especial desprovido
(REsp
509399/SP, Rel. Min Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 25/05/2004, DJ de
02/08/2004).
Processual
penal. Reformatio in mellius. Admissibilidade em doutrina.
O
recurso de apelação do Ministério Público devolve ao tribunal o exame de mérito
e da prova. Nessas circunstâncias, se o tribunal verifica que houve erro na
condenação ou na dosimetria da pena, não está impedido de corrigi-lo, em favor
do réu, ante o que dispõe o art. 617 do CPP, que somente veda a reformatio in
pejus, não a reformatio in mellius.
Argumentos
de lógica formal não devem ser utilizados, na justiça criminal, para homologar
erros ou excessos. E não é razoável remeter-se, na hipótese, o interessado para
um revisão criminal de desfecho provavelmente tardio, após cumprida a pena, com
prejuízos para o indivíduo e para o Estado; aquele pela perda da liberdade, a
este pela obrigação de reparar o dano (art. 630 do CPP).
Recurso
Especial do Ministério Público conhecido pela divergência, mas improvido.
Unânime.
(RESP
2804/SP. Recurso Especial. Relator Ministro Francisco de Assis Toledo,
Publicação DJ: 6/8/1990, P7347, Julgamento: 18/06/1990 – Quinta Turma).
ARESTOS DA 8ª CÂMARA CRIMINAL:
APELAÇÃO.
TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO GRAVE, TENTATIVA DE ESTUPRO.
IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL, EM QUE SE REQUER O RECONHECIMENTO DA CONSUMAÇÃO DO
ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO CORPORAL GRAVE. PROVIMENTO. AUSÊNCIA DE RECURSO DA
DEFESA. PROVA COLIGIDA NOS AUTOS QUE SE REVELA RESTRITA, DUVIDOSA E
INSUFICIENTE A ENSEJAR UM DECRETO CONDENATÓRIO QUANTO AO CRIME DE ESTUPRO.
APLICAÇÃO DA REFORMATIO IN MELLIUS. ABSOLVIÇÃO. Agente que, simulando portar
arma, invadiu residência, e determinou as vítimas, pai e filha, que lhe
entregassem dinheiro e cartões. Durante a empreitada criminosa falou que
estupraria a vítima, causando reação no pai, iniciando-se uma luta corporal,
que redundou em grave lesão na vítima. A vítima mulher conseguiu buscar socorro,
interrompendo a empreitada criminosa. Consumação do roubo qualificado por lesão
corporal grave - O delito de roubo qualificado pela lesão corporal grave é
crime complexo, composto por dois elementos constitutivos, que isoladamente
constituem figuras penais autônomas, um crime contra a pessoa e um crime contra
o patrimônio. Nos crimes complexos a tentativa só ocorre quando os delitos que
o compõem permanecem na forma tentada. No caso em exame, o crime de lesões
corporais graves se consumou enquanto a subtração patrimonial restou na forma
tentada. Assim, há de reputar-se plenamente caracterizado o momento consumativo
da conduta praticada pelo apelado. Da absolvição do acusado. Não obstante a
ausência de recurso defensivo, não há como ratificar a sentença prolatada pelo
MM. Juiz a quo, na medida em que a prova produzida pelo Ministério Público
revelou-se restrita, duvidosa e insuficiente a ensejar um decreto condenatório
quanto ao aventado crime. As provas apontam que o recorrido sequer iniciou
qualquer ato executório para a prática do crime de estupro, apenas falou que a
estupraria. O recurso exclusivo do Ministério Público não tem o condão de
impedir a absolvição, em razão da possibilidade de aplicação do princípio da
reformatio in mellius em nosso sistema processual penal. RECURSO A QUE SE
DÁ PROVIMENTO. ABSOLVIÇÃO DE OFÍCIO DO ACUSADO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, COM
FULCRO NO ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUANTO AO CRIME DE
ESTUPRO – ACÓRDÃO -
0001255-03.2012.8.19.0055 - APELAÇÃO - CLAUDIO TAVARES DE OLIVEIRA JUNIOR
- Data de julgamento: 05/12/2012 - Data
de publicação: 07/12/2012 - OITAVA CÂMARA CRIMINA (Grifo nosso).
TRÁFICO
DE DROGAS. RECURSO MINISTERIAL.AFASTAMENTO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE
PENA DE QUE TRATA O § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI Nº. 11.343/06. - FIXAÇÃO DO
REGIME FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. - Merece ser
provido o pleito de afastamento da causa especial de diminuição de pena de que
trata o § 4º, do artigo 33, da Lei nº. 11.343/06, pois a prova produzida logrou
demonstrar, especialmente pelas circunstâncias da prisão em flagrante e pela
quantidade e diversidade da droga apreendida, incluindo crack, que o apelado
não é um traficante iniciante, mas sim, que faz do tráfico seu meio de vida.- Considerando
que acompanho o entendimento jurisprudencial deste E. Tribunal de Justiça no
sentido de ser perfeitamente admissível, em recuso exclusivo do Ministério
Público, a reforma da decisão em benefício do réu, haja vista que a impugnação
interposta pelo Ministério Público, a teor do que se subtende do artigo 617, do
CPP, tem efeito devolutivo amplo, devolvendo ao Tribunal a análise de toda a
matéria meritória e probatória, decoto, de ofício, o aumento de 01 (um) ano
implementado na pena-base, pois as duas anotações sem trânsito em julgado
constantes da FAC do apelado não podem caracterizar personalidade inadequada ao
meio social e, consequentemente, não servem como justificativa para majoração
da pena-base, como o fez o douto sentenciante. Inteligência da Súmula nº 444 do
STJ. - Desse modo, afastada a incidência do § 4º, do artigo 33, da Lei nº.
11.343/06, resta a pena final concretizada em 05 (cinco) anos de reclusão e
pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa - O pleito de fixação do regime
prisional fechado merece acolhimento, diante da regra contida no § 1º, do
artigo 2º, da Lei nº. 8.072/90, que impõe o regime inicial fechado para os
crimes hediondos e equiparados. - Recurso provido, decotando-se, de ofício, o
aumento implementado à pena-base ACÓRDÃO - 0003628-37.2012.8.19.0045 - APELAÇÃO
– VALMIR DOS SANTOS RIBEIRO - Data de
julgamento: 24/10/2012 - Data de publicação: 26/10/2012 - OITAVA CÂMARA
CRIMINAL (grifo nosso).
Um forte abraço a todos.
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