domingo, 7 de novembro de 2010

VIGARISTAS

Eles estão por toda a parte e se apresentam de diversas maneiras. O modus operandi é essencialmente o mesmo, mas muita gente acaba sendo vítima desses agentes. É o subtrair iludindo. Quase nunca usam de violência. A sua maior força está nos argumentos, no engodo, na encenação. São verdadeiros artistas do crime.

Cada um de nós tem uma visão inflada de si mesmo. Nos achamos capazes e inteligentes, imunes a qualquer tipo ataque. É aí que o vigarista atua. Ele faz sua vítima se sentir superior, magnânima ou simplesmente evidencia a ganância existente em certa dose em cada ser humano. Apelam, ainda, para nossa piedade e altruísmo, levando-nos a nos sensibilizar com a suposta condição de miserável do golpista.

Certa feita, numa manhã de verão, era bem cedo, passei por um caixa eletrônico onde pude perceber uma senhora esperando a sua vez de entrar no caixa 24 horas. Bem próximo ao caixa havia uma fila de pessoas que aguardavam sua vez para se candidatar a uma vaga de emprego num estabelecimento próximo. Como precisava sacar algum dinheiro, pus-me a esperar logo atrás da referida senhora, que aparentava uns 28 anos de idade e se vestia de forma modesta. Foi então que vendo aquele rapaz alto, bem vestido e carregando uma pasta, ela comentou sobre a sua dificuldade em operar o caixa eletrônico, tendo, inclusive, ressaltado haver tentado momentos antes, sem conseguir sacar dinheiro. Não tardou muito, a porta do caixa se abriu e um indivíduo de lá saiu anunciando que conseguira efetivar saques. Entrei e fiz a operação, retirando o dinheiro de que precisava. Ao sair, a aludida senhora solicitou minha ajuda, pedindo que a ajudasse no caixa. Do nada, apareceu um outro homem, igualmente muito simples, vestindo uma calça de tergal e que estaria acompanhando a mesma, mas, inicialmente, não percebido por mim, dizendo que aguardaria do lado de fora do caixa.

Diante disso, resolvi fazer minha boa ação do dia e estendi minha mão tocando no blindex do compartimento que abrigava o caixa. Nesse instante, acendeu uma daquelas lâmpadas de desenho animado no meu cérebro, até então adormecido, alertando-me acerca de um iminente golpe, ou melhor, roubo. Rapidamente, saí, às pressas, muito ofegante e nervoso por quase ter sido assaltado e entrei no primeiro estabelecimento aberto que encontrei e ali relatei o que havia se passado há pouco. A atendente me disse que tais ocorrências eram muito freqüentes ali. Saí um pouco ainda atordoado, e segui o meu caminho, com a sensação de haver aprendido uma lição. Será? Dessa eu me safei! Ufa!

Em outra ocasião estava parado com o carro estacionado e ao sair dele fui abordado por uma mulher ligeiramente gordinha e com o rosto meio desesperado. Ela começou a me contar uma história sobre uma doença rara que possuía e a necessidade premente de se submeter a uma cirurgia para contornar o problema. Ela parecia meio chorosa ao narrar a sua história, que começou a ficar longa e com muitos detalhes. A deixei falar por uns três minutos e para testá-la perguntei se ela poderia estar ali no dia seguinte quando eu lhe arranjaria uma doação, obtendo uma resposta negativa. Era resposta que eu esperava. Num tom ríspido disse-lhe, então, que não poderia ajudá-la por estar com muita pressa e fui logo saindo. De mais um golpe consegui me safar, pensei. Ufa!

De outra feita, de manhã bem cedinho, quando havia acabado de comprar um jornal e já me dirigindo para a minha residência, fui abordado por um rapaz muito simples com sotaque interiorano com um carrinho cheio de perfumes, que me cumprimentou de forma simpática como se me conhecesse de algum lugar. Eu respondi da mesma forma. Ele então me disse que estava agora no ramo de perfumes, trabalhando por conta própria, e me ofereceu um perfume como amostra grátis. E eu, cortesmente, falei que não precisava. Ele aproveitou e me ofereceu mais um perfume, dizendo que este era para a “patroa”, segundo suas palavras. Com um sentimento de dívida, lhe dei cinco reais que tinha na carteira e levei os perfumes. Caminhando de volta para a casa, a lâmpada do desenho me acendeu, só que já era tarde. Dessa eu não escapei, pensei. Acho que o cérebro estava adormecido e resolveu continuar dormindo, só acordando depois do golpe.

Curiosamente, gostei de ter sido vítima desse golpe. Explico: primeiro por ter perdido pouco dinheiro e, segundo, por ter aprendido uma grande lição: não devemos nos deixar levar pela aparência do que se vê e do que se houve. Os perfumes que me foram entregues eram, obviamente, falsos e concebidos a um custo ínfimo. Ele não me pediu diretamente dinheiro, antes disse que me daria o perfume como amostra grátis. O que me fez cair no golpe não foi a ganância e sim um sentimento de justiça ínsito em muitos de nós, o não enriquecimento sem causa, de não se aproveitar de uma pessoa simples, humilde que está tentando ganhar a vida. Olha que interessante e muito engenhoso... Vejam os sentimentos que o vigarista conseguiu despertar em mim e obter aquilo que pretendia desde o início: o meu dinheiro.

Para demonstrar como esse comportamento estelionatário toma variadas formas, não poderia deixar de contar-lhes o que aconteceu comigo no início de minha vida como trabalhador. Eu devia ter 18 ou 19 anos e estava desempregado há alguns meses e depois de procurar emprego em vários lugares, li num jornal um anúncio de emprego com salários atrativos e que não exigia experiência. Opa! Pensei, essa é uma ótima oportunidade. Fui até lá onde, ao lado de vários pretendentes à vaga, esperei pacientemente ser atendido. Fomos entrevistados individualmente e em grupo. A história era a seguinte: nós tínhamos que vender uns títulos de capitalização/planos de saúde e atingir uma cota. Nessa empreitada, fomos aconselhados a vender primeiramente para parentes e amigos. Se atingíssemos o patamar estabelecido conseguiríamos a vaga e o polpudo salário. Puxa, quem não quer isso? Ainda mais os jovens que são tão impetuosos e querem mostrar o quanto são capazes. Para mim, felizmente, meu cérebro estava bem acordado e funcionando às mil maravilhas e o insigth não demorou a acontecer. Tentei alertar uma candidata, mas não consegui porque ela, além de ter ficado muito entusiasmada, ainda estava perto do entrevistador. Fui embora com um sentimento misto de frustração e alívio. 

Anos mais tarde, minha sobrinha telefonou-me querendo vender um título de capitalização e me contou uma história muito parecida com a situação que tinha ocorrido comigo . Lembrei-me na hora do golpe e a alertei, dizendo-lhe que ela estava sendo vítima de um expediente perverso formulado para obter lucro, explorando-se jovens incautos e em busca do primeiro emprego. Não comprei o título, mas fiquei com a sensação que ela achou que eu não queria ajudá-la, quando, na verdade, eu a estava efetivamente ajudando. Só anos mais tarde ela foi perceber isso, embora não tenha claramente falado comigo sobre o assunto.

Não é incomum se encontrarem casos envolvendo vítimas do velho golpe do bilhete premiado, ou então, alguém que deixa cair uma carteira, a isca, a qual lhe é entregue por um cidadão honesto que acaba sendo vítima de uma trama muito bem orquestrada. Já li vários casos em Inquéritos policiais e a mecânica é sempre a mesma. Desses casos, penso que estou devidamente vacinado. O ser humano é muito engenhoso e está sempre querendo se superar em todas as áreas incluindo-se aí o campo dos golpes.

Podemos encontrar esse modus operandi em vários setores da sociedade, desde a abordagem ingênua e simples por um desconhecido na rua, como um vendedor representando uma empresa laranja ou mesmo sermos coletivamente vítimas de políticos mal intencionados que prometem o paraíso, mas logo após as eleições se colocam a promover o aumento da carga tributária.

Todos podem ser vítimas em algum momento de suas vidas e isso não significa que sejam mais ou menos inteligentes. O que mais se vê são empresários astutos sendo vítimas de estelionatários. Mesmo grandes sociedades empresárias podem ser vítimas de estelionatários. Quem conhece a história da Exceção de Pré-executividade concebida por Pontes de Miranda, entende bem o que estou dizendo. Na época, o mercado foi inundado com títulos extrajudiciais da Mannesmann, os quais continham a assinatura falsificada de um diretor. Os títulos começaram a ser executados e a Siderúrgica para embargar tinha que garantir o Juízo. Como eram muitos os títulos, a Empresa fatalmente paralisaria suas atividades. Foi aí que entrou em cena o gênio do nosso saudoso jurista. A lógica era simples, o juiz antes de determinar o prosseguimento da execução tinha que se pronunciar sobre a falsidade alegada. Provada esta, não haveria título hábil a ensejar a execução forçada. Daí se afiguraria injusto exigir do executado o dispêndio de recursos para garantir uma execução lastreada num título inexistente.

A grande lição que se tira disso tudo é que os vigaristas trabalham em cima de nossas psicologias, seja despertando a ganância, seja trazendo à tona sentimentos de gratidão e equidade. Das histórias ocorridas comigo, de uma eu não conseguir escapar. Por que? Porque estava desatento, deixando me levar pela aparência humilde e jeito caipira do simples “vendedor”, o qual demonstrou ser um excelente ator, me iludindo com palavras e conseguindo seu intento: tirar algum dinheiro, de forma indolor. Procuro pensar que paguei muito barato por uma grande lição que não se aprende nos bancos universitários e sim na escola da vida. Descobri que ninguém é tão esperto assim, dependendo das circunstâncias, tempo e lugar, o mais vivaldino dos homens pode ser vítima de outro um pouco mais sagaz, que por sua vez pode também ser vítima em algum outro momento e de outras maneiras.

Um grande abraço e até a próxima.


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PACTA SUNT SERVANDA

Um comentário:

  1. Oi. Tem presentinho pra vc lá no Blog.

    Teu Blog é Digno de Ser Lido

    http://michele-dos-santos.blogspot.com/2010/11/re-muito-obrigada.html

    ResponderExcluir

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