terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

ASSUNÇÃO DE RESPONSABILIDADES

Sartre falava da assunção de responsabilidades e acreditava no potencial humano. As pessoas, de um modo geral, têm o hábito de transferir responsabilidades para outrem ou mesmo para entes abstratos. A culpa sempre está no outro. A propósito, não por acaso, o filósofo citado inicialmente cunhou a célebre frase: o inferno são os outros.

Esse comportamento, de certo modo, também foi estimulado pela religião, especialmente pelo cristianismo, em que todo o crédito deve ser atribuído a Deus. Observa-se entre os protestantes a imputação constante de culpa ao Diabo, ente responsável por todos os males do mundo. Nesse sentido, os seres humanos são meras vítimas do ser abominável, inimigo número um do Deus Supremo.

A humanidade, portanto, desde tempos imemoriais, caminha sempre pondo a responsabilidade nos ombos do outro, não é por isso que Jesus, ao ser morto, remiu a humanidade dos pecados do mundo?. Não tenho nada contra o cristianismo, aliás minha formação religiosa foi cristã. Penso, contudo, que não se pode encontrar todas as respostas na religião. Esta, em seus códices, estabelece dogmas nos quais se procura explicar, normalmente, de forma simplista, como a terra se formou e por que existimos.

Quem não se lembra da história do jardim do Éden, um das alegorias mais bonitas do livro sagrado. Afinal, a ignorância é o paraíso e ao sair dele não é mais possível para lá retornar, tanto que na bíblia consta que Deus pôs, à porta do paraíso, dois anjos com espadas flamejantes para se certificar de que Adão e Eva não mais voltariam.

A vida nada mais é que a sucessão de fatos e nossas ações sempre geram consequências. Sim, a causalidade. Como disse Morpheus a Neo, bem vindo ao deserto do real ou, ainda, o francês, em Matrix II, tudo é causa e efeito. Parece, a princípio, uma fórmula reducionista que retira todo o brilho da existência, mormente por negar o sobrenatural. Uma vida sem mistérios e ilusão mostra-se tão árida como o deserto mostrado a Neo por Morpheus, em Matrix I.

Mas não é bem assim, causalidade não significa necessariamente aridez. Em muitos casos não sabemos, prima facie, qual será o resultado de nossas ações. É claro que a experiência acumulada revela-se facilitadora nessa tarefa. Não podemos olvidar, outrossim, que causalidade não se antagoniza com probabilidade, sendo esta o ente que encerra vários resultados possíveis. E isto não é interessante?!

Desta forma, o homem deve assumir seu papel de protagonista de sua própria existência. Nada vem de graça, nem o pão nem a cachaça, como já dizia Zeca Baleiro em sua canção Babilon. Tudo tem seu valor mesmo que simbólico. Fazer escolhas não é fácil e gera desconforto e, em vários momentos, decepções. Não podemos deixar que estas, por sua vez, travem o nosso caminho, impedindo-nos de seguir adiante. A escolha é nossa e a culpa não é de ninguém; só existe a causalidade. Os resultados positivos surgem quando não se desiste e se empregam esforço e tempo orientados na consecução dos objetivos.


"Será que a liberdade é uma bobagem?...
Será que o direito é uma bobagem?...
A vida humana é que é alguma coisa
a mais que ciências, artes e profissões.
E é nessa vida que a liberdade tem 
um sentido, e o direito dos homens.
A liberdade não é uma prêmio, é uma
sanção. Que há de vir."

                                    Mário de Andrade

3 comentários:

  1. Colocar a culpa no outro torna a vida um pouco mais leve. Seria um tormento assumirmos nossas culpas. Acabaríamos como Judas, suicidando-se.
    Ser protagonista da própria história é querer assumir o papel de "deus", para os cristãos é pecado mortal.
    Mas, "...assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade."
    Sem vontade dirigir e assumir seus próprios atos.

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  2. Respeito sua opinião, mas acredito que o homem tem de ser sim protagonista de sua própria história. Com os direitos vem as obrigações. Aliás, a própria bíblia consigna que o homem é imagem e semelhança de Deus. Portanto, não há nada de mal, à luz da doutrina cristã, assumir responsabilidades e conduzir a vida de forma construtiva, antes mostra-se recomendável e necessário. Deus fez a sua parte quando viabilizaou a nossa existência. O resto é conosco.

    Um grande abraço e obrigado pelo comentário.

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  3. Fala David!
    Lí o seu texto e permita-me discordar de dois pontos.
    Você menciona que a religião, mais especialmente o cristianismo, tem o hábito da transferência de responsabilidades. David, querido, isso não tem nada a ver com religião. Isso é do ser humano. O que Jesus Cristo tem de culpa pelo fato das pessoas não assumirem suas responsabilidades? Infelizmente os seres humanos são assim. É mais fácil dizer que o diabo atentou a fazer determinada coisa do que assumir o seu próprio erro.
    E sobre a vida ser uma sucessão de fatos, ai entramos num campo muito perigoso. É subjetivo. Eu creio e você não. Tenho que respeitar você e você a mim. Toda ação gera uma reação. Disse Voltaire: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disse, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las". Claro que não morreria por isso.
    Mas concordo que realmente o homem é reponsável pelo que faz e pela sua história.
    Um grande abraço!!!

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